terça-feira, 22 de outubro de 2013

Tem pra todo mundo

Admiro profundamente aquelas pessoas fantásticas, que parecem com personagens de livros ou filmes que, simplesmente, não sentem raiva (ou pelo menos nunca demostram sentir ou se incomodar com isso). Embora já tenha lido artigos e livros que dizem que é uma ocorrência normal, que apenas precisamos aprender a lidar com ela, que não devemos sufocá-la, mas direcioná-la de forma a não ferir, etc. e tal, o fato é que não gosto de me ver sequestrado pela raiva...

Por falar em sequestro, penso que foi Daniel Goleman, em seu livro sobre inteligência emocional, quem nomeou a ocorrência excessiva da raiva, ou de outros sentimentos, como "sequestro emocional". De repente não temos mais a liberdade de escolher, de fazer ou de agir como deveríamos ou como queríamos. Somos levados, pelo sentimento, para lugares e para ações que não condizem com a pessoa que somos, tentamos ser ou ao menos gostaríamos de ser...

Nos últimos dias fui surpreendido e sequestrado pela raiva. Tenho sido uma vítima recorrente. Consigo, mesmo durante o pico da ira, manter minha postura, mas é um exercício extremamente difícil. Às vezes é preciso ficar sozinho ou ter alguém próximo para desabafar. Também é preciso me ocupar de outra coisa, qualquer outra coisa para que as mãos nervosas não acabem fazendo algo de que me arrependa depois.

Na hora da raiva, a imaginação vai longe! As cenas de tortura dos filmes ficam leves demais diante do que a mente sequestrada orquestra fazer com o alvo da raiva. Mas, a maior dificuldade e o maior perigo deste sentimento avassalador é o fel, o veneno que derramamos dentro da alma, do coração, do corpo.

Tentando pensar sobre isso DE UMA OUTRA FORMA, o que me ocorreu foi que podemos estar causando este sentimento em outros. Não que intencionalmente o façamos, como se olhássemos para alguém na rua e disséssemos "Uau! Que ótima oportunidade de causar raiva naquela pessoa!", mas muitas vezes puxamos o gatilho que dispara a raiva, a ira e o nervosismo de alguém. Até posso dizer que existem aqueles que talvez façam isso de caso pensado, intencionalmente, mas aí o caso é outro (talvez outro sequestro, de um outro tipo...).

Os gatilhos para a raiva são diversos. A intensidade da carga também muda de acordo com o alvo. Há pessoas que explodem por muito pouco, e há aquelas com quem se deve gastar uma enorme dose de provocações e desmandos para que se irritem. Há também os momentos em que estamos mais propensos, como depois de um dia muito difícil ou logo após ter passado por uma desgaste, perda ou frustração. A combinação "motivo+momento" é o estopim que detona a raiva e traz consigo as consequências, quase sempre muito negativas, da raiva.

E quando a gente explode, o efeito é exatamente a de uma bomba: atinge quem está por perto. Ficou com raiva? Explodiu? Então "tem pra todo mundo!". Chega em casa com raiva: tem para a família. Nervoso no trabalho: tem para os colegas. Irado ao fazer compras: tem para o caixa do supermercado. Irritado no trânsito: tem para o motorista da frente.

Na realidade não gostamos disso. Mas o fato é que vez ou outra, infelizmente, somos sequestrados. E, particularmente, não quero despertar no outro este sentimento. Não gosto da ideia de fazer alguém destilar fel e atingir a si mesmo e a quem está próximo com os destroços de sua raiva. Por isso decidi tomar duas atitudes bem simples e diretas: 1) vou evitar ao máximo puxar o gatilho que desperta a raiva no outro e, 2) quando alguém me provocar, vou me esforçar ao máximo para entender que em 99% dos casos, não é intencional.

Tenho estado atendo para não acionar alguns gatilhos que, pra mim, detonam a fúria. Com sei que eles incomodam muitas outras pessoas eu procuro não fazer. Alguns exemplos? Vamos lá:

1) Puxa o gatilho aquela pessoa que, na fila do caixa rápido do banco, ao terminar de tirar o extrato fica conferindo seu saldo parado diante da máquina, enquanto há uma enorme fila de gente apressada aguardando...
2) Detona o explosivo da ira aquele que fica meia hora no ponto do ônibus, que sabe bem o valor da passagem, mas deixa para contar dezenas de moedas tiradas de uma bolsinha apertada na roleta, causando um verdadeiro tumulto entre os que querem entrar no veículo...
3) Desperta a fúria de muita gente quem não se apercebe que ninguém é obrigado a ouvir suas músicas preferidas, sua risadas ou conversas animadíssimas depois de meia-noite, em um dia de semana, em alto e bom som...
4) Irritam até os mais pacientes aqueles que, ao fazer suas compras com os filhos, deixam os meninos com o carrinho na fila, e enquanto isso continuam trazendo mais produtos, enquanto os que estão atrás na fila ficam contemplando a cena com cara de espanto... e raiva!

E por aí vai! Furando filas, estacionando em locais proibidos, descumprindo regras, vamos puxando gatilhos e despertando sentimentos negativos sem saber o mal que estamos causando, sem considerar as consequências que podem advir e nos esquecendo de como nos sentimos incomodados quando o mesmo acontece com a gente.

Bem sabemos que quando a raiva se insinua e quando explode a ira, tem pra todo mundo. Mas seria muito, muito bom se causássemos nos outros sentimentos diferentes com paz, alegria e contentamento. Assim como uma cara feia, enrugada e vermelha de raiva, um rosto alegre e uma motivação feliz pode afetar positivamente quem está pertinho. Gente feliz espalha felicidade, e neste caso, também tem pra todo mundo! Pense nisto.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

EU QUERO


Ao que parece, sou um inveterado viajante do tempo, como já comentei em outra postagem. Não consigo deixar de viajar ao passado. Minhas memórias de infância, aparentemente forradas de pequenos acontecimentos irrelevantes e de centenas de histórias aparentemente singelas, de vez em sempre irrompem para me mostrar que podem me ser valiosas para viver o presente e fazer melhor aquilo que me é proposto.

Olhando alguns garotos que se entretinham com uma partida de futebol, vi da minha janela, o grupo que estava fora da quadra. Eles torciam avidamente pelos gols, e não importava que time conseguisse a vitória, desde que fosse logo. Eles não estavam torcendo pela vitória de um ou de outro, mas por sua vez de entrar em quadra.

Os garotos “de fora” estavam ávidos para brincar, loucos pra ter sua vez, e por isso faziam papel de técnicos, de torcedores e de gandulas. Como a regra era que cada partida terminasse com dois gols, cada oportunidade perdida era seguida de um “uuuuuuhhh” que vinha lá do fundo de um coração ansioso por ter sua vez, sua chance de jogar. Quando a partida terminou os “de fora” entraram na quadra pulando, dando cambalhotas e empurrando os perdedores pra fora, com sorrisos de uma alegria tão grande, tão vibrante, tão contagiante que parecia sobrepujar todas as coisas boas do mundo.  

Foi aí que minha máquina do tempo se ativou, e viajei ao tempo em que eu mesmo era um garoto “de fora”. Campo de terra, traves feitas de galhos amarrados, pés descalços e uma ansiedade tremenda para entrar logo no jogo. O que definia minha participação era a certeza total, a vontade determinada, um desejo irrefreável de jogar. Eu queria, e queria muito. Então ficava lá, torcendo pelos gols, alertando os jogadores e orientando as jogadas, buscando a bola que insistia em rolar pelos barrancos ou cair entre as moitas que cercavam o campo, sendo um gandula ligeiro, para que a minha vez chegasse logo.

Quando o time era formado, os dois privilegiados que tiravam um “par ou impar” para escolher seus jogadores, eram cercados pelos colegas, com mãos erguidas e gritos de “me escolhe” e eu sempre dizia “eu quero, eu quero!”. Minhas memórias de infância novamente despertaram questionamentos inquietantes: onde foi parar minha vontade de participar? Onde foi parar meu grito de “eu quero”?

Pense comigo DE UMA OUTRA FORMA. Parece que enquanto adultos deixamos de torcer para que nossa vez chegue logo. Os que conseguem causar impacto neste mundo parecem ter um dom especial, mas na verdade apenas preservaram a vontade constante de entrar no jogo, enquanto a maioria de nós demonstra ter perdido o desejo de jogar. Não nos animamos a fazer o papel de gandulas, não ficamos na linha do campo observando os jogadores, medindo sua capacidade, aprendendo novos dribles, orientando possíveis jogadas, e muito menos temos levantado as mãos para ser escolhidos pra uma partida. Os garotos “de fora” estavam o tempo todo querendo estar dentro. Os adultos “de fora” parecem não se importar. Mesmo que haja desejo, ele não está sendo expresso, não está sendo ansiosamente esperado, estamos deixando de criar oportunidades. E isto é lamentável.

O tornar-se adulto rouba de nós aquela certeza plena de querer estar no jogo. Começamos a achar que para estar lá precisamos ser bons, que precisamos estar super preparados, que precisamos sempre vencer. Quando eu era menino não me preocupava se existiam outros jogadores melhores do que eu, quando eu dizia “eu quero” e entrava pra jogar, sabia que podia sair de novo, mas o bom mesmo era jogar. Se ganhasse, ótimo, se não sabia que dali a “cinco minutos ou dois gols” estaria de volta.

Então, minha memória dos tempos de menino diz – Ei! Volte a dizer “eu quero”. Observe o jogo, pegue as bolas que fogem pra ajudar de alguma forma, fique atento, dê palpites, torça, se motive, você por estar dentro a qualquer momento. Quando entrar, se entregue, corra e aproveite. Se sair, mantenha a atitude de quem quer entrar de novo. Isso vale para o estudo, para os relacionamentos, para o trabalho e para a vida.

Dwight Lyman Moody, um dos maiores evangelistas do século 19 ouviu um pregador dizer que um homem totalmente consagrado a Deus, cheio do desejo de causar impacto, precisava apenas se colocar no jogo e o mundo veria o resultado. Moody refletiu sobre o sermão e disse mais tarde:

“Ele disse ‘um homem’. Ele não disse grande homem, nem sábio, nem rico, nem eloquente, nem inteligente, mas , simplesmente ‘um homem’. Eu sou um homem, e cabe ao homem decidir se deseja ou não se consagrar, inteira e completamente. Estou resolvido a fazer todo o possível para ser esse homem.” – A vida de D.L. Moody por William R. Moody.

Bom, Moody disse “eu quero”. Ele não disse isso para entrar num jogo de futebol entre crianças que se divertem, mas para a oportunidade de causar impacto positivo e significativo no mundo. Nós podemos fazer o mesmo. Não precisamos ser os melhores, só precisamos fazer o mesmo que os “garotos de fora” fazem no jogo: estar lá quando a oportunidade aparecer.

Diga “eu quero” no trabalho, no serviço voluntário, quando puder contribuir com alguém, quando estiver com quem ama e puder demonstrar. Diga “eu quero” para as fantásticas coisas que pode construir, e mantenha acesa a chama da infância que não nos deixava admitir a ideia de ficar de fora das boas coisas. Pense nisto.

sábado, 11 de maio de 2013

Quando o amor se tornar difícil...


Acordei cedo e fui admirar meu filho de um ano de idade dormindo. Rostinho tranquilo, respiração leve, e vez por outra um pequeno suspiro. Enquanto eu o via ali quietinho, fiquei me lembrando da alegria dele correndo atrás de mim pela casa, sua risada quando me pegava, e dos bracinhos se agitando como dizendo que agora é a minha vez de seguir e o pegar.

Como é fácil amar meu pequeno! A euforia dele quando chego do trabalho e sua corrida para meus braços, o sorriso cristalino e puro, o olhar encantado por tudo que ele descobre, o toque macio de sua mãozinha, o bocão que abre pra receber sua comidinha, as artes que apronta sem maldade, movido pela curiosidade e pelo ímpeto de conquistar novos espaços.  A sua expectativa pelas brincadeiras que um papai apaixonado inventa na hora da troca da fralda ou a farra na hora do banho só para que ele não chore me mostram como ele valoriza meus esforços de pai.

Como é fácil amar meu filhinho! Ao ver a porta da geladeira sendo aberta, a missão de fechá-la é dele – ainda que com um exagero de força – e um tilintar de chaves é o alerta para um possível passeio na praça. Seu falatório sem palavras prontas (dêdêdê iiiiii, tá diiiii, tétété, pááá) é, de alguma forma misteriosa, compreensível para uma mãe e um pai que sabem terem sido grandemente abençoados. Quando se machuca nas peraltices próprias de menino, uma palavra já soa bem nítida em meio aos choramingos.  Ele diz “neném” clamando por todo o afago que ele tem direito nesta hora. E de coração tão bom, consegue logo dar uma risada ao mesmo tempo em que as lágrimas correm pelo rosto... Quando o soninho chega ou quando qualquer frustração se insinua, ele anda pela casa, com os bracinhos para cima chamando por “mamã” sabendo que logo será embalado em braços calorosos e o seu mundinho será melhor.

Vendo sua paz ao dormir, pensando em tudo isso que faz dele alguém tão fácil de amar, orei ao meu bom Deus para que nosso amor de pais apaixonados se perpetue e se mostre forte e puro também quando vierem os momentos ruins, quando talvez a expressão deste amor se torne difícil:

Quando ao chegar de um dia duro de trabalho, talvez encontre um dos meus livros preferidos riscado e rasgado num canto da casa. Quando o choro de um neném que bateu a cabecinha talvez seja substituído pelo choro de pirraça de um garotinho que quer ver seus desejos atendidos de qualquer maneira. Quando o correr para os meus braços no momento em que eu chego em casa talvez passe a ser um simples olhar indiferente para quem acabou de abrir a porta. Para estas situações, o amor precisa continuar a ser expresso e vivido...

Quando o chamado pela mãe começar a denotar mais um “preciso de alguma coisa” mais do que um “preciso de você” e quando as coisas que nos proporcionam tanto prazer em fazer com ele passarem a ser feitas sozinhas, precisaremos nos esforçar para expressar o amor paciente e sempre presente...

Quando a chegada de um coleguinha que ele fez na escola talvez for mais festejada que a chegada do pai, e quando talvez eu tiver que implorar meu abraço que hoje recebo de forma tão esfuziante ou quando a mamãe talvez não possa mais pegar no colo e não mais dar beijos estalados por que isso é um “mico” (ou qualquer outra gíria que surja no futuro), a expressão de nosso amor precisará continuar existindo ainda que em silêncio e sem tantas manifestações ruidosas...

Quando talvez ele aprenda a fazer uso do cinismo, e troque seu sorriso sincero por um daqueles risos amarelos que nos dizem o quanto somos antiquados, e quando talvez ele resolver que suas ideias são melhores e adote a desobediência como forma de agir nosso amor precisará ser demonstrado de forma firme e corretiva...

Quando talvez ele descobrir a rebeldia, e insistir que seus caminhos são só dele, negando nossa presença e nossa participação, e quando nossos conselhos soarem apenas como um falatório de quem não sabe nada do mundo e de quem não entende suas necessidades e quer privá-lo de descobrir o mundo, nosso amor deverá ser compreensivo e duradouro...

E por fim, quando talvez ele deixar a nossa casa, e aparecer apressado nos fins de semana, independente e forte, agradecendo friamente nossa preocupação que não tem razão de ser, nosso amor deva ser expresso em orações para que Deus o proteja e o conforte nos momentos difíceis da vida em que tanto desejaríamos que ele estivesse em nossos braços...

Hoje de manhã, olhando meu filho dormir, fiz esta viagem no tempo e pensei em como um amor tão fácil pode se tornar difícil de ser demonstrado. Pedi a Deus que nos dê força para educa-lo e amá-lo de forma tão intensa que todas estas cenas não passem do “talvez” que tanto usei nas descrições dolorosas que fiz deste provável futuro.

Que vivamos um amor de princípio, para que ele aprenda a sorrir de forma franca, a obedecer de forma amável, a entender que sua dependência de nós não é uma fraqueza, e sim nossa maior força conjunta. Que nosso amor expresso em palavras, atos e afagos não nos privem nunca de seu abraço, de sua presença e de sua inteligência ativa que nos fascina a cada dia.

Olhando meu filho dormir aninhado em sua caminha, recebi de Deus um pensamento: é exatamente assim que Ele nos olha a cada dia. Suporta nosso cinismo com amor firme, continua nos dirigindo palavras de amor e orientação de forma compreensiva e duradoura mesmo quando, arrogantes que somos, achamos que já sabemos tudo. Deus continua nos protegendo mesmo com seu amor infinito mesmo quando agimos como se fossemos suficientemente fortes para não depender dEle...

Sou grato pelo soninho tranquilo de meu filho. Ele me fez perceber que enquanto durmo, com olhos de amor eterno, Deus vela pelo meu sono, com um amor incomensurável que, com certeza, levarei toda a eternidade para tentar compreender... Quando o amor se tornar difícil, vou experimentar amar DE UMA OUTRA FORMA, motivado e inspirado pelo amor de Deus. Pense nisto com carinho.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Marquinhas Vermelhas


Meus olhos brilham a cada sorriso dele. Eu, que sempre fui muito cuidadoso e zeloso de minhas coisas, acho graça quando ele joga um livro no chão, quando coloca as mãos meladas no sofá, ou quando coloca as mãos no controle da TV e, antes de tirá-lo do lugar, olha pra mim, esperando que eu diga NÃO, só pra sorrir e pegar o controle assim mesmo. Não deixo o ato de afronta sem correção, e coloco no tom de voz uma zanga que lhe mostra que não deve fazer, mas mesmo com a zanga ensaiada e a cara de bravo fingida que faço, meu coração quase se parte ao contemplar seu rostinho sério fitando o pai e buscando o grandão brincalhão que rola com ele no tapete emborrachado. Os gritinhos e palavrinhas sem nexo, desprendidas com um olhar firme e meigo ao mesmo tempo, não me dizem muita coisa, mas pra ele parecem ter um significado profundo. Ele me inspira, me motiva, me conforta, e me preocupa...

Ele não se ocupa dos anseios que a maioria de nós carrega no peito. Só dá atenção para aquilo que ele julga atrativo e importante. Tem uma determinação soberba e seus passinhos vacilantes e repentinas quedas parecem não incomodar. Ele inventa gestos, toma nas mãos tudo o que está ao alcance, olhando com atenção. Algumas coisas ele joga de lado e não procura mais, outras ele carrega consigo para todos os lugares, e as procura novamente com zelo e insistência, reclamando do seu jeito quando nós, os grandes, escondemos dele aquilo que ele gosta mas que julgamos perigoso ou inadequado.
Meu pequeno filho é uma fonte constante de alegria e emoção. Ele nos leva facilmente das gargalhadas às lágrimas com um som, um sorriso ou um gesto simples, como correr (e já é correr mesmo, literalmente) para a porta quando me ouve chegar e tilintar as chaves de casa.

Outro dia ele se machucou. Ele não admite mais engatinhar, e isso faz com que ele caia de vez em sempre. Neste dia, bem pertinho do pai e da mãe, ele caiu de costas, e suas perninhas atingiram a quina de um móvel. Ele caiu, vimos sua expressão de susto e dor, e ele saiu tão rápido, engatinhando sentido, como que buscando alívio pra algo que ele não entendia, que o surpreendeu e que o fez sentir-se mal... O instinto protetor nos impeliu pra ele com urgência e um outro tipo de dor: a dor de coração. A mãe e eu o envolvemos, acariciamos, sussurramos nosso carinho em seu ouvido, afagamos seus cabelos e o aconchegamos com todo o cuidado.

Foi apenas um tombo, apenas um susto. Nenhum corte, nenhuma mancha roxa, nenhum galo na testa. A dorzinha dele se materializou em lágrimas e foi expulsa pelos olhinhos redondos, garantindo que em poucos minutos ele estivesse de novo experimentando sua corrida, e perto do mesmo móvel outra vez...

Não falamos “móvel feio, feio...” e não vamos tirar o tal móvel de casa. Não atribuímos culpa ao seu descuido, não vamos proibi-lo de andar pela sala e nem de explorar os outros cômodos com seus passos curiosos. No momento da dor (dele e nossa) nós apenas o acolhemos. Apenas deixamos ele sentir que estávamos ali, compartilhando tudo. Presentes, interessados, afligidos pela angustia dele e molhados pelas lágrimas que ele derramava. De alguma maneira, mesmo que ele não entenda, queríamos mostrar nosso amor não o abandonaria, que haveriam outros momentos de dor (bem maiores, talvez) e que nossa fé e crença nos conduziriam, na plenitude do tempo de Deus, a um mundo renovado, sem arestas e quedas dolorosas.

As marquinhas vermelhas em suas perninhas me revelaram mais uma dimensão do meu amor de pai, que a cada dia se revela maior do que eu podia imaginar. Olhando meu pequeno ali, no colo da mãe, dolorido e ressentido pelo tombo, não pude deixar de pensar em como fui incapaz de impedir que ele se ferisse, e da dura realidade de que não posso consertar o mundo em que ele vai viver.

Não pude deixar de pensar em como o coração de Deus doeu quando viu seu filho na cruz, e por amor não pode impedir. Não posso deixar de pensar no Deus poderoso nos acolhendo, acariciando, sofrendo junto, compartilhando a dor que cada queda nossa nos provoca. Nossos passos vacilantes em um mundo de pecado, cheio de quinas e arestas, nos ferem. Corremos, assustados e surpresos, sentindo a dor queimar, e é muito triste perceber que muitos não conseguem sentir os braços do Pai, e apenas se encolhem em algum canto esperando a dor passar...

As marquinhas vermelhas nas pernas de meu filho já sumiram, mas parece que elas nunca irão sair do meu coração. De algum modo eu sei que, quando ele for grande também, homem feito e forte, eu sempre sentirei a sua dor, anseio e medo. Ele não se lembrará, mas eu terei em mim cada dor que ele sentiu, cada queda que sofreu, cada lágrima que derramou e vou experimentar o conforto de saber que eu estava lá sempre que ele precisou, mesmo que não podendo impedir a dor, mas aconchegando, apertando junto ao peito e chorando junto.

As marquinhas vermelhas de suas pernas sumiram, mas com certeza nunca saíram do meu coração. Com elas entendi, DE UMA OUTRA FORMA, porque Jesus escolheu levar pra sempre as marcas de nossas quedas em suas mãos: nossos corpos não terão mais as marcas de nossas quedas, pois seremos perfeitos na nova terra, mas o amor que nos aconchegou em cada momento de dor e que nos arrancou do mundo imperfeito de pecado estará simbolizado eternamente nas mãos que teremos o imenso privilégio de segurar. Pense nisto.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Parece com o que é

Muitas pessoas usam a frase "não é tão ruim como parece" na tentativa de consolar alguém que está passando por uma situação difícil, e muitos outros a dizem para si mesmos numa tentativa de encontrar algo positivo no emaranhado de problemas em que estão envolvidos.
 
Realmente é louvável buscar por uma visão positiva em meio a qualquer período conturbado da vida. Um dose equilibrada de otimismo, uma decisão racional de procurar e encontrar algo bom mesmo em meio aquilo que é ruim é uma atitude que pode ajudar muito. Porém, em alguns casos, se o equilíbrio é esquecido, os pés podem sair do chão e a cabeça pode acabar tocando as nuvens de negação dos fatos.
 
E por falar em fatos, muitas vezes os fatos mostram que as coisas realmente são tão ruins como parecem. Nestes casos, uma frase pronta para maquiar a situação não resolve. Um grande problema parece com o que é: algo inesperado, indesejado, inapropriado que surge para roubar o sossego e nos privar de atingir uma meta, de cumprir um prazo, de realizar algo bom e nos impedir de alcançar o sucesso.
 
A ideia de que não devemos atribuir valor demais aos obstáculos e problemas que nos aparecem todos os dias é valiosa, mas pensando DE UMA OUTRA FORMA, usá-los para um bom exercício de avaliação, de constatação e superação é um verdadeiro tesouro. Quando algo estiver realmente ruim, antes de buscar aquela face positiva, que pode se tornar muito difícil de encontrar em algumas situações, talvez pudessemos demorar um pouco mais os olhos no lado negativo e tentar verificar o que aconteceu. Pense comigo, DE UMA OUTRA FORMA sobre a FRUSTRAÇÃO.
 
Quando ficamos frustrados, logicamente entendemos que algo deu errado. A visão "não é tão ruim como parece" pode acabar por ocultar nossa responsabilidade, algo que deixamos de fazer ou que fizemos inadequadamente e que nos conduziu a uma FALHA. Mesmo que existam situações em que realmente não tenhamos feito nada de errado, na maioria das vezes uma situação que causa frustração pode ser resultado direto de nossos atos falhos, impensados ou mesmo de nossa omissão em agir... A primeira coisa que podemos fazer para crescer é considerar nossas falhas e aprender a reconhecer erros, identificar padrões de ação equivocados e mudar a forma de fazer.
 
Estando frustrados, também é normal que nos tornemos REATIVOS. Não é bom adotar uma postura de "a culpa não é minha" e rebater de forma dura todos os comentários, avaliações e críticas que podem chegar até nós. Reagimos mal até mesmo a algumas tentativas de amigos e pessoas próximas de nos consolar em momentos tristes "ninguém pode entender o que estou passando...". Aprender a ser mais proativo é um bom resultado do processo de considerar com cuidado os períodos que são relamente ruins.
 
Algumas fases ruins são completamente vazias. Não ensinam, não mostram um novo caminho e não revelam falhas que possamos consertar. São momentos até "piores do que parecem". Aceitar que o mundo é injusto é o remédio para passar por isso, e tem mais efeito do que o paliativo do "não é tão ruim assim". Procurar UTILIDADE  em tudo pode ser até mais frustrante do que a situação em si.
 
Na frustração tomamos consciência da tristeza. ENTRISTECER-SE é um passo importante para a conversão. Não mudamos nada realmente a não ser quando nos entristecemos de verdade com o que somos ou com o resultado daquilo que estamos fazendo. A coisa mais triste do mundo é não sentir-se triste por nada, pois sem isso não há reconhecimento, nem abandono do erro, nem crescimento ou mudança. Mas somos orientados e condicionados a buscar alegria sempre, de imediato, e por vezes isto nos tem impedido de meditar um pouco quando os momentos tristes nos apresentam temas com os quais devíamos gastar algum tempo...
 
Quando frustrados focamos o que não temos. Na pressa de voltar a sentir-se bem, muita gente que toma a pílula do "não é tão ruim como parece" não considera os espaços vazios que a frustração revela. Claro que devemos aprender a ser gratos pelo que temos e a desfrutar as coisas que consquistamos, mas poderíamos conseguir outras tantas coisas importantes se considerarmos que um problema ou situação ruim "parece com o que é", e vermos ali o que nos falta: atitudes, certas experiências, algumas decisões, formas de fazer diferentes, pessoas... Considerar o que não se TEM é um exercício que momentos de frustração nos ajudam a realizar. Depois, basta coragem e disciplina para buscar preencher espaços vazios.
 
Depois de enteder que falhamos, que não devemos ter reações exageradas e extremamente defensivas, de aceitar a injustiça e a realidade de que certos acontecimentos que trazem dor são simplesmente destituídos de sentido, de saber colher os frutos indicativos da mudança de rumo que a tirsteza pode apontar, e descobrir o que nos falta, o mais lógico a fazer é DECIDIR o que fazer é AGIR com base nesta decisão.
 
A alegria vai retornar. Vitórias irão ocorrer e o sucesso vez ou outra vai brilhar em seu caminho. Gente de todo tipo vai aplaudir seus triunfos e você se sentirá reconhecido. Você vai desfrutar do que tem, sentir-se completo e tudo isso o levará a desejar ser, fazer e ter mais. Estes desejos, ou simplesmente o fato de o mundo ser injusto, podem levar você a outro momento de frustração. Quando isto acontecer pense DE UMA OUTRA FORMA. Aceite que coisas ruins não precisam parecer menos ruins. Uma coisa ou situação ruim parece simplesmente com o que é. Pense nisto.